Tribunais garantem imunidade de ITBI em transferências imobiliárias
“Decisões beneficiam sócios de holdings patrimoniais e empresas do setor”
Uma nova tese que favorece holdings patrimoniais e empresas do setor imobiliário começa a ganhar corpo no Judiciário. Há, em segunda instância, pelo menos seis precedentes favoráveis à imunidade de ITBI na transferência de imóveis por sócios para a composição de capital social.
Recentemente, os tribunais de São Paulo (TJ-SP), Ceará (TJ-CE), Bahia (TJ-BA) e Minas Gerais (TJ-MG) proferiram decisões que seguem tese levantada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O entendimento é o de que o benefício constitucional vale também para contribuintes com atividade preponderante imobiliária.
Até então, não contavam com a imunidade do ITBI nessas operações, conforme prevê o artigo 37 do Código Tributário Nacional (CTN), de 1966. A discussão começou a ganhar espaço após julgamento do STF, em agosto de 2020, que tratou do assunto de forma secundária, ao analisar a imunidade de ITBI prevista na Constituição.
No julgamento, os ministros, por maioria de votos, decidiram que o benefício não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado (RE 796376). Porém, em seu voto, que prevaleceu, o ministro Alexandre de Moraes, reconheceu a extensão da imunidade a empresas e fundos dedicados a atividades imobiliárias.
O ministro analisou o parágrafo 2º, inciso I, do artigo 156 da Constituição, segundo o qual o ITBI “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Ao interpretar o dispositivo, Moraes entendeu que a ressalva tratada no fim do texto – envolvendo a atividade preponderante imobiliária – se refere apenas à transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. Na prática, excluiria a hipótese de integralização de capital social.
“A tese, se prosperar, tem um impacto milionário para o setor”, diz o Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados. Para ele, as empresas poderiam pedir a restituição do que pagaram nos últimos cinco anos, além de, para cada nova operação, não precisar arcar com um ITBI até então exigido na integralização de imóvel.
O imposto varia entre 2% e 3%, a depender do município. Para o setor imobiliário, que costuma fazer essa operação com frequência, os valores podem ser significativos, acrescenta o advogado Thiago Marigo, do Freitas Leite Advogados.
A arrecadação do ITBI pesa nos cofres das prefeituras. Só o município de São Paulo arrecadou cerca de R$ 2 bilhões em 2020. Em 2019, R$ 2,3 bilhões. E em 2018, R$ 1,9 bilhões.
De acordo com o advogado Luís Rodrigo Almeida, sócio do Dib Almeida Laguna Manssur, a operação é comum e ocorre quando as pessoas físicas transferem seus imóveis para uma empresa própria como forma de fazer planejamento societário, sucessório ou familiar. Esse imóvel pode ser vendido ou alugado dentro da empresa.
No caso do aluguel, por exemplo, pode valer a pena. Isso porque se o bem está em nome de pessoa física, ele pode ter que pagar até 27,5% de Imposto de Renda sobre os valores recebidos, por meio do chamado Carnê-Leão. Já as empresas estão sujeitas a 11,33% de tributos federais (PIS, Cofins, IRPF e CSLL).
No Tribunal de Justiça de São Paulo, duas das três câmaras de direito público que julgam o tema (14ª e 18ª) já têm decisões a favor das empresas. Contudo, na 18ª Câmara, o posicionamento oscila, segundo Bruno Sigaud. “Não dá ainda para dizer que existe uma jurisprudência consolidada”, diz.
Uma delas, da 14ª Câmara de Direito Público, beneficia uma empresa que buscava a imunidade de ITBI na integralização de um imóvel de R$ 7 milhões no capital social. Ela obteve tutela antecipada (espécie de liminar). Em seu voto, o relator, desembargador Kleber Leyser de Aquino, diz que está revendo entendimento anterior “a fim de curvar-me” ao recente posicionamento do STF (agravo de instrumento nº 2042850-06.2021.8.26.0000). A decisão foi confirmada em embargos.
Em um caso analisado em setembro pela 18ª Câmara, a maioria decidiu contra o município de São Paulo (agravo de instrumento nº 2140 905-89.2021.8.26.0000). O relator, juiz substituto em segundo grau Marco Antonio Botto Muscari, entendeu que “reconhece-se imunidade tributária, pouco importando a atividade preponderante, quando o bem de raiz é incorporado ao patrimônio de pessoa jurídica no ato de sua constituição”. Ele cita, em seu voto, a decisão do STF de 2020.
O magistrado ainda afirma que o posicionamento do STF já começou a gerar mudanças de entendimento nos tribunais estaduais. Apontou mais uma decisão do TJ-SP (agravo de instrumento nº 2140905-89.2021.8.26.0000), outra do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (apelação cível nº 1.0148.15.005512-4/004) e uma do Tribunal de Justiça do Ceará (apelação cível nº 0011320-46.2019.8.06.0064).
Em caso envolvendo o município de Caucaia (CE), o relator, desembargador Fernando Luiz Ximenes Rocha, da 1ª Câmara de Direito Público do TJ-CE, afirma no voto que a nova orientação “é contrária à jurisprudência majoritária dos tribunais pátrios”, mas que deve ser adotada após julgamento do STF.
Mesmo entendimento foi adotado, por unanimidade, pela 4ª Câmara Cível do TJ-BA contra a cobrança que seria efetuada pela Prefeitura de Salvador (apelação nº 0579490-40.2016.8.05.0001).
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informa que as decisões são isoladas, “proferidas em sede de agravo por instrumento, uma delas inclusive não unânime”. E que “apresentará os recursos cabíveis”. Salvador não deu retorno até o fechamento da edição e não foi possível localizar representante da Prefeitura de Caucaia (CE) para comentar a questão.
Por Adriana Aguiar