Partilha de cotas de sociedade não empresária

Partilha de cotas de sociedade não empresária

Enquanto há a comunhão de direitos e de obrigações, o que pode ser partilhado é o resultado advindo dessa atividade ou os bens que foram adquiridos durante o casamento ou união estável

Um tema controverso na doutrina e na jurisprudência é a partilha de cotas sociais, em divórcio ou em dissolução de união estável, quando a atividade desenvolvida é o próprio trabalho do cônjuge. O artigo 966 do Código Civil afasta, da definição de empresário, quem exerce atividade intelectual, científica, literária ou artística, ainda que organizada com concurso de auxiliares.

Assim, há entendimentos no sentido de que as cotas sociais ficariam afastadas da comunhão de bens conjugais, pois são consideradas atividades econômicas não empresariais e teriam natureza de provento do trabalho pessoal do cônjuge, podendo também ser classificadas como instrumento de profissão, na forma do artigo 1.659, incisos V e VI (regime da comunhão parcial de bens) e no artigo 1.668, V (regime da comunhão universal de bens), já que dependem, em sua grande maioria, exclusivamente do esforço pessoal de seus sócios. Podem ser citados como exemplos os advogados, médicos, dentistas, arquitetos, engenheiros etc.

Enquanto há a comunhão de direitos e de obrigações, o que pode ser partilhado é o resultado advindo dessa atividade.

Porém, em que pese estarem equiparados ao instrumento de profissão, se restar demonstrado que esses equipamentos são bens de valor elevado, ou mesmo ficar comprovado ter havido esforço comum para sua aquisição, então deve ser acolhida a comunicabilidade e a respectiva partilha das cotas sociais.

Com esse pensamento, a melhor interpretação dada à incomunicabilidade é no sentido de que ela deve proteger não a grande fortuna dos instrumentos, mas aqueles mínimos essenciais ao exercício da profissão. Assim, evita-se até mesmo a existência de fraude na partilha, já que o cônjuge ou companheiro, profissional não empresário, poderia adquirir bens de grande valor em nome da pessoa jurídica justamente para afastá-los da meação.

Em sentido contrário, há quem entenda que as cotas – independentemente de serem empresárias ou não – devem ser partilhadas, levando em consideração apenas a época em que foram constituídas e o regime de bens aplicável, além da eventual evolução econômica durante o casamento ou união estável. Situação em que aplicar-se-ia a regra geral de presunção de investimento comum nos casos em que há comunhão.

Todavia, nesse quadro, deve haver liquidação do valor da cota social, seja pela existência de impedimento legal ou contratual para que o ex-cônjuge ou ex-companheiro ingresse na sociedade, seja pela ausência da affectio societatis. O fato é que, enquanto não houver a liquidação, o ex-cônjuge tem direito a concorrer com a divisão periódica de lucros.

Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento ao Recurso Especial nº 1.531.288/RS, entendendo pela possibilidade de partilha do conteúdo econômico da participação societária do ex-cônjuge, uma vez que a aquisição das cotas da sociedade havia se dado na constância do casamento, cujo regime era o da comunhão universal de bens, sujeitando-se, portanto, à meação. Nesse julgamento, o STJ entendeu que pouco importava a natureza da sociedade e que as cotas sociais, dotadas de expressão econômica, não devem ser confundidas com o objeto social, muito menos equiparadas a proventos, salários etc.

A despeito da posição do Superior Tribunal de Justiça, cremos que a maior razão está na incomunicabilidade das cotas como regra. Isso porque, nas sociedades não empresárias, os resultados importam em verdadeira remuneração dos serviços prestados pessoalmente pelo sócio, com natureza de caráter alimentar, assemelhando-se aos proventos pessoais de cada cônjuge, em caso de trabalho remunerado com vínculo de emprego. E é justamente isso o que atrai a não comunicabilidade dos artigos 1.659, incisos V e VI, e 1.668, inciso V, do Código Civil.

Vale dizer que, enquanto há a comunhão de direitos e de obrigações, o que pode ser partilhado é o resultado advindo dessa atividade até a data do divórcio (ou da separação de fato), ou os bens que foram adquiridos durante o casamento ou união estável, pois os frutos do trabalho integram o patrimônio a ser partilhado pelo casal (Código Civil, artigo 1.660). Porém, igual caso não ocorre com as cotas da sociedade, pois, caso admitida, seria o mesmo que partilhar a remuneração do assalariado, o que não é admitido pelos artigos 1.659 e 1.668 do Código Civil.

Entretanto, essa interpretação deve ser analisada em cada caso concreto, à luz da boa-fé (Código Civil, artigo 422) e da ausência do abuso de direito (Código Civil, artigo 187), excetuando-se as situações em que a não partilha implicaria o enriquecimento indevido ao cônjuge ou companheiro titular da cota social.

Por fim, é importante acrescentar que devem ser levados em consideração eventuais pactos antenupciais (casamento), assim como contrato ou escritura (união estável), que estabeleçam regras quanto ao aspecto patrimonial das cotas sociais e sua partilha, em caso de divórcio ou dissolução de união estável. Nessas hipóteses, deverão ser seguidos os termos que foram pactuados.

Por Célia Cristina Martinho é sócia da Freitas, Martinho Advogados, em Bauru (SP)

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Fonte: Partilha de cotas de sociedade não empresária | Legislação | Valor Econômico (globo.com)

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