Deficiência digital da Jucesp — prejuízo empresarial
Junta Comercial de São Paulo não possui sistema totalmente digital
O Decreto Estadual nº 64.879/20, publicado em 21 de março deste ano, reconheceu a situação de calamidade pública no estado de São Paulo diante da pandemia da Covid-19, determinando providências restritivas adicionais para enfrentá-la.
Entre outras medidas, foi suspenso o atendimento presencial da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), o que, conforme restará evidenciando a seguir, trouxe significativos prejuízos na regularidade da rotina societária das empresas instaladas no estado, independentemente do respectivo porte das mesmas.
Atualmente, ao suspender qualquer atividade presencial, a Jucesp restringiu ao público acesso somente aos seguintes serviços, que mantêm funcionalidade via acesso digital: I) abertura de empresa de forma eletrônica; II) pesquisas e consultas de empresas, fichas cadastrais e nome empresarial; e III) obtenção de determinadas certidões e cópias de documentos digitalizados.
Com exceção dos serviços acima indicados, a Jucesp somente permite protocolos feitos presencialmente para os atos societários, o que impacta totalmente a efetivação do registro de determinados atos fundamentais ao dia a dia empresarial como, por exemplo, mudança de endereço de matriz e/ou filial, aumento e/ou redução de capital social, destituição e/ou nomeação de administradores e conselheiros, entre outros.
Como regra geral, nos termos do disposto no artigo 36 da Lei nº 8.934, de 18 de dezembro de 1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências, os atos e documentos societários deverão ser apresentados a arquivamento na Junta Comercial competente dentro de 30 dias, contados de sua assinatura, a cuja data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder.
Observado o disposto acima, em outras palavras, o ato societário somente terá validade perante terceiros a partir da data de sua respectiva assinatura, caso o mesmo seja arquivado perante a Junta Comercial respectiva dentro do prazo máximo de 30 dias, contados da referida data de assinatura. Caso contrário, a validade do ato perante terceiros somente surte efeito mediante o efetivo registro do mesmo pela Junta Comercial.
De maneira a flexibilizar o critério estabelecido pela Lei nº 8.934, acima indicada, o presidente da República adotou, a partir de 30 de março de 2020, a Medida Provisória nº 931, que, entre outras medidas, estabeleceu em seu artigo 6º que, enquanto durarem as medidas restritivas ao funcionamento normal das juntas comerciais decorrentes exclusivamente da pandemia da Covid-19, para os atos sujeitos a arquivamento assinados a partir de 16 de fevereiro de 2020, o prazo de que trata o artigo 36 da Lei nº 8.934, de 18 de dezembro de 1994, será contado da data em que a junta comercial respectiva restabelecer a prestação regular dos seus serviços.
Além disso, o mesmo artigo 6ª da referida Medida Provisória estabeleceu que a exigência de arquivamento prévio de ato para a realização de emissões de valores mobiliários e para outros negócios jurídicos fica suspensa a partir de 1º de março de 2020 e o arquivamento deverá ser feito na junta comercial respectiva no prazo de 30 dias, contado da data em que a junta comercial restabelecer a prestação regular dos seus serviços.
Ocorre que, no estado de São Paulo, mesmo diante da flexibilidade buscada pela MP 931, a grande maioria dos temas deliberados em atos societários, para que possam ter efetividade nas inscrições federal, estadual e municipal das empresas, dependem necessariamente do prévio registro do ato perante a Jucesp.
Isso porque a Jucesp concentra, via sistema integrado, as atualizações: I) do registro do ato societário; II) do que fora deliberado no ato societário no cadastro da empresa e/ou filial perante o CNPJ; e III) a mesma referida atualização na Inscrição Estadual perante a Sefaz-SP, sendo que a efetivação das atualizações indicadas nos itens II e III somente ocorrem mediante o registro do ato societário mencionado no item I.
Assim, para a efetividade perante terceiros de atos societários que, por exemplo, deliberem a destituição de um administrador, com poderes gerais de gestão, e que esteja colocando em risco a saúde financeira da empresa, não restaria outra alternativa aos sócios da empresa, que deliberaram pela referida destituição, senão ingressar com medida judicial pleiteando a publicidade do ato e efetiva atualização perante as inscrições da empresa de forma a evitar, sobretudo, que referido administrador continue a prejudicar o bom andamento dos negócios, em especial durante a crise ora vivenciada.
Situações como a acima mencionada não existiriam caso a Jucesp mantivesse um sistema digital completo para atender e registrar todo e qualquer ato societário digitalmente, como hoje ocorre na grande maioria das Juntas Comerciais nacionais.
Diante disso, como medida indispensável à efetividade e segurança jurídica dos temas deliberados em determinados atos societários, em especial diante da incerteza sobre o efetivo prazo de retomada da normalidade após os desdobramentos advindos da Covid-19, situação jamais vivenciada anteriormente, torna-se indispensável o aprimoramento imediato das ferramentas e serviços digitais pela Jucesp, de modo a assegurar o regular funcionamento dos serviços de protocolo e registro durante o período de suspensão.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-abr-28/lemos-fernandes-deficiencia-digital-jucesp