STJ e o planejamento sucessório
É preciso analisar a situação familiar e patrimonial e definir a melhor estratégia para privilegiar (legalmente) aqueles escolhidos pelo detentor do patrimônio.
O tema do planejamento sucessório vem ganhando espaço e visibilidade no dia a dia das famílias brasileiras. Talvez pelas incertezas e anseios ocasionados pela pandemia da covid-19 ou mesmo pelas constantes notícias acerca do possível aumento do ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação. Fato é que o assunto nunca esteve tão em alta.
Nesse sentido, a escolha do regime de casamento é passo importante para o planejamento sucessório. O artigo 1.640 do Código Civil determina que “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”. Assim, em regra, quando os nubentes (noivos) não escolherem o regime de casamento.
Entretanto, é cada vez mais comum que casais optem pelo regime da separação convencional de bens, ou seja, aquele regime em que os bens das partes não se comunicam (mesmo após o casamento).
Vale mencionar, rapidamente, que é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que o companheiro, proveniente de uma união estável, equipara-se ao cônjuge de um casamento para fins de planejamento sucessório.
Assim, seja na união estável ou no casamento, fato é que, ao escolher o regime de separação convencional de bens, os cônjuges/companheiros têm a intenção de separar e preservar seu patrimônio pessoal/particular, sendo certo que, em caso de divórcio, os bens de um não se comunicarão com o outro cônjuge/companheiro.
E se assim ocorre no divórcio, também deveria ocorrer após a morte de um dos cônjuges/companheiros, uma vez que a vontade do cônjuge/companheiro falecido era de não deixar nenhum bem para o cônjuge/companheiro sobrevivente, correto? Todavia, não é essa a mais recente interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.
A 2ª Seção do STJ pacificou entendimento no sentido de que, mesmo em casos de separação convencional de bens, ou seja, nos casos em que os cônjuges/companheiros escolheram, por livre e espontânea vontade, não comunicar os bens entre si, o cônjuge/companheiro sobrevivente deve ser habilitado como herdeiro e concorrer com os demais herdeiros necessários na partilha de bens. Tal entendimento também é aplicado, sistematicamente, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Vale aqui mencionar que o entendimento do STJ faz ressalva com relação ao regime de separação convencional de bens, de modo que, nos casos de separação obrigatória de bens (como o casamento de pessoa com mais de 70 anos, por exemplo), não será aplicado tal entendimento. As hipóteses da separação obrigatória de bens estão previstas no artigo 1641 do Código Civil.
Para exemplificar o entendimento atual do STJ, imagine que seu pai, após divorciar-se de sua mãe, inicia uma união estável com uma nova mulher. Para preservar o patrimônio e não diminuir a futura e eventual herança, seu pai e a nova mulher celebram um pacto antenupcial em que escolhem o regime da separação convencional de bens.
Passados alguns anos, seu pai morre e, apesar do pacto antenupcial mencionar a escolha do regime de separação convencional de bens, você e sua irmã (únicos filhos e herdeiros) recebem a notícia de que a nova mulher também terá direito a receber a herança de seu pai. Tal fato pode ocasionar situações indesejáveis e desconfortáveis tanto na esfera emocional como patrimonial, ainda mais considerando uma possível relação conturbada entre os filhos e a nova mulher.
É exatamente nesse momento que o planejamento sucessório surge para minimizar riscos e extirpar inconveniências da vida. O artigo 1.846 do Código Civil determina que “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima” (“parte indisponível”) Por sua vez, o artigo 1.857 do Código Civil permite que qualquer pessoa capaz faça um testamento para dispor de até metade (50%) de seu patrimônio (denominada de “parte disponível”).
Voltando ao exemplo acima, sem a realização de um testamento, a divisão dos bens do seu pai ficaria da seguinte forma: 33,3% para você, 33,3% para sua irmã e 33,3% para a nova mulher. Entretanto, caso seu pai tivesse realizado um devido (e necessário) planejamento sucessório, através da assinatura de um testamento, por exemplo, seria possível aumentar o percentual da herança que você e sua irmã teriam direito a receber. Explica-se.
Caso seu pai tivesse feito um testamento deixando a parte disponível (50% do patrimônio total) igualmente para você e sua irmã (ou seja, 25% para cada um), a nova mulher teria direito a apenas 16,6% da herança do seu pai e não 33,3%. Isso porque, ao deixar a parte disponível para você e sua irmã, seu pai teria deixado somente os outros 50% da parte indisponível para ser partilhada entre você, sua irmã e a nova mulher (ou seja, 50% dividido por 3 herdeiros necessários = 16,6%).
Em resumo, você e sua irmã receberiam, cada um, 41,6% do patrimônio total do seu pai e a nova mulher receberia apenas os 16,6% restantes. Com a realização de um testamento, seu pai teria garantido 8,3% a mais do patrimônio para cada filho, o que, em determinados casos, pode representar quantias significativas.
E é justamente para isso que existe o planejamento sucessório: analisar a situação familiar e patrimonial e definir a melhor estratégia para proteger e privilegiar (legalmente) aqueles escolhidos pelo detentor do patrimônio.
Por Luiz Fernando Blumenthal Pardell
Fonte: STJ e o planejamento sucessório | Legislação | Valor Econômico (globo.com)