Simplificação contratual: caminho sem volta
“Ninguém mais aguenta contratos longos, densos e cheios de juridiquês”
Devido ao avanço tecnológico, impulsionado pela pandemia que enfrentamos, nosso tempo está cada vez mais disputado. Por conta do distanciamento social, a dinâmica de trabalho mudou: assuntos que antes seriam resolvidos rapidamente em um bate-papo presencial se transformaram em inúmeras reuniões online, conversas em chats ou e-mails e lotam nossas agendas.
Neste cenário cada vez mais dinâmico, quem tem tempo para ler contratos intermináveis, chatos e com linguagem complicada?
Infelizmente essa é a realidade da maioria dos contratos. E é justamente aí que percebemos um enorme desalinhamento: considerando que a principal função dos contratos é regular a relação entre os contratantes; se eles não entendem o que está escrito, o documento claramente não atingiu sua finalidade. Neste caso, o contrato pode atrapalhar a relação entre as partes, ao invés de ajudar. E isso pode custar caro no futuro.
Os problemas começam na fase de elaboração da minuta, que geralmente precisa da colaboração das áreas que usarão os documentos, porque ninguém tem paciência para ler contratos longos, densos e cheios de juridiquês. Os profissionais destas áreas acabam não se envolvendo na produção do documento e a minuta inicial não sai tão redonda quando deveria.
As negociações de contratos com linguagem tradicional também são bastante complicadas. A extensão dos documentos e a imprecisão do texto motivam discussões longas e desgastantes. O mau uso do tempo dos envolvidos causa custos extras e pode minar o relacionamento das partes.
Mas não para por aí. Talvez o maior desafio esteja na fase de gerenciamento. O gestor do contrato se vê obrigado a procurar ajuda de advogados para fazer seu trabalho com segurança, pois a aplicação de algumas cláusulas nem sempre é clara (ex: gatilhos para aplicar penalidades, vencimento de prazos, forma e consequências da rescisão antecipada, etc).
Por fim, o uso de linguagem contratual confusa e rebuscada também aumenta o risco de litígios, pois falta de clareza e ambiguidade tendem a gerar disputas.
Todas estas dificuldades nas fases de elaboração, negociação e gerenciamento de contratos geram enorme ineficiência para as empresas, o que se traduz, principalmente, em custos desnecessários.
Em artigo recente da Harvard Business Review, Shawn Burton, diretor-jurídico dos negócios da GE relacionados à Aviação e Sistemas Integrados, defende o uso de linguagem clara e simples em contratos:
“Não se deve demorar horas para negociar um contrato. Líderes de negócios não devem ter que chamar um advogado para interpretar um acordo que eles terão que administrar. Devemos viver em um mundo onde os contratos são escritos em linguagem simples – onde potenciais parceiros de negócios podem sentar-se durante um curto almoço sem seus advogados e ler, realmente entender e se sentir à vontade para assinar um contrato. Um mundo onde as disputas causadas pela ambiguidade desaparecem.” [Tradução livre]
O mais interessante é que Burton implementou esta metodologia de linguagem acessível nos contratos do negócio de serviços digitais da GE Aviação.
No artigo mencionado acima, Burton diz que desde que a iniciativa começou em 2014, foram assinados mais de 100 contratos em linguagem simples:
“Esses acordos levaram 60% menos tempo para negociar do que suas versões anteriores carregadas de juridiquês”. [Tradução livre]
Segundo ele, o feedback do cliente é “universalmente positivo e não houve uma única disputa com o cliente em relação ao texto de um contrato em linguagem simples”. [Tradução livre]
Além do exemplo que ele mesmo vivenciou, Shawn Burton afirma que inúmeras empresas já economizaram tempo e dinheiro ao usar a linguagem simples. Ele diz que o livro “Writing for Dollars, Writing to Please: The Case for Plain Language in Business, Government, and Law”, escrito por Joseph Kimble, um dos principais defensores desta iniciativa, traz vários exemplos, como:
- uma empresa de turismo, que ao introduzir orientações simples para ajudar seus consumidores a instalar seus sistemas, reduziu 70% das ligações anuais para o seu help desk, gerando uma economia de mais de US$ 2,4 milhões por ano; e
- uma clínica que simplificou suas faturas em 2008 e passou a receber US$ 1 milhão a mais por mês.
Outro exemplo do mesmo livro: todos os anos, a Administração de Benefícios dos Veteranos (VBA) envia uma carta a eles solicitando que atualizem sua lista de beneficiários. Se um veterano morrer sem um beneficiário válido listado, o pessoal da VBA deve localizar e identificar um. O VBA estava recebendo uma taxa de resposta de cerca de 43% às suas cartas. Eles reescreveram a carta em linguagem simples e a taxa de resposta aumentou para 65%. Assim, a VBA economizou 4,4 milhões de dólares em tempo da equipe.
Além da economia expressiva de capital, acreditamos que o uso de linguagem contratual acessível gerará uma mudança de paradigma na percepção dos advogados em geral, que passarão a ser vistos como verdadeiros parceiros e facilitadores de negócios por todos.
Ao invés de perceber o departamento jurídico apenas como um centro de custo, acreditamos que o C-level passará a enxergá-lo como gerador de valor (economias). No fim do dia, o resultado será um enorme ganho de eficiência e tempo para o time focar no que realmente importa.
Mas atenção: é fundamental deixar claro que simplicidade não é sinônimo de superficialidade. O contrato sempre deve oferecer segurança jurídica às partes. Se precisar ser executado, o contrato precisa parar de pé. Estas premissas são mandatórias e inegociáveis. Caso contrário, de nada adiantará o documento ter uma linguagem acessível e ser entendido por todos.
Acreditamos que a simplificação contratual é um caminho sem volta. É bom para as empresas, é bom para as pessoas que lidam com contratos e é bom para advogados modernos, que geram valor para seus clientes. Trata-se da famosa win-win situation, onde todos saem ganhando. Assim, cabe a nós advogados capitanear esta mudança positiva e colocar a simplificação contratual cada vez mais em prática.
Eduardo Pedroso – Sócio Fundador da HALLEM Advogados, praticante e entusiasta da simplificação contratual
Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/simplificacao-contratual-direito-04122020