Reforma do IR desestimula adoção de holding familiar

Reforma do IR desestimula adoção de holding familiar

Segunda fase da reforma tributária e holding familiar

A proposta de reforma do Imposto de Renda torna menos vantajosa a adoção de holding familiar para planejamento patrimonial e sucessório. Prevê aumento de tributação, com a cobrança sobre dividendos, além de antecipação do pagamento do imposto, que passará a incidir antes mesmo da distribuição do lucro.

As holdings são adotadas hoje pelas vantagens fiscais que oferecem – por meio da tributação de pessoa jurídica. São estruturas montadas para a gestão, por exemplo, de imóveis, incluindo propriedades rurais, e de investimentos no exterior, que se tornaram mais comuns a partir de 2016 com o programa de repatriação – o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct).

Pelo texto enviado ao Congresso Nacional, porém, elas perdem parte dos atrativos. Uma das principais mudanças recai sobre investimentos em paraísos fiscais. Nesse caso, a mudança é no momento da tributação.

O projeto estabelece que lucros decorrentes de participação em controladas no exterior serão considerados disponibilizados para a pessoa física controladora residente no Brasil na data do balanço que tiverem sido apurados e ficarão sujeitos à tributação do Imposto de Renda quando a controlada estiver em paraíso fiscal – até o último dia útil do mês após a disponibilização e deverá compor a base de cálculo na declaração de ajuste anual.

De acordo com Luiz Felipe Ferraz, do escritório Mattos Filho, já havia previsão nesse sentido na Medida Provisória nº 627, de 2014, que acabou ficando de fora na conversão em lei. “Há uma mudança muito grande no momento da tributação”, afirma ele, acrescentando que a questão deve gerar muita discussão no Congresso Nacional.

Ferraz explica que a tributação, pelo texto, ocorre no ano em que o lucro for apurado, mesmo que seja distribuído muitos anos depois. “Em alguns casos, você vai tributar antes de a pessoa receber”, diz.

A mudança, afirma Luciano Ogawa, sócio do Ogawa, Lazzeroti e Baraldi Advogados, cria uma “tributação fictícia”. Em regra, explica, as pessoas físicas são tributadas pelo regime de caixa (no momento do efetivo pagamento) e o texto considera distribuído lucro que apenas foi apurado. “É semelhante ao que Receita Federal tenta fazer para empresas com controladas e coligadas no exterior”, diz.

Ele lembra que, para as empresas no regime de competência, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu pela constitucionalidade da medida. O caso tratava de controladas localizadas em paraísos fiscais. “Essa tributação está em linha com as diretrizes da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. É uma tendência mundial, não é uma medida absurda.”

As empresas no exterior, diz Joanna Rezende, sócia do Velloza Advogados Associados, não são estruturadas só com finalidade fiscal. São constituídas, acrescenta, como veículo de agregação de investimentos internacionais com finalidade sucessória, de governança corporativa e familiar.

As holdings imobiliárias, de acordo com Natalia Zimmermann, sócia do mesmo escritório, são adotadas por motivos semelhantes. “Imagina se tem um irmão que não fala com outro e são donos dos mesmos imóveis. O gestor resolve qualquer problema”, afirma.

Para serem legítimas, as holdings imobiliárias, que reúnem os imóveis de uma pessoa física ou família, precisam funcionar como uma empresa, ter um gestor. O valor dos aluguéis deve ser pago em conta única. Hoje, a Receita Federal considera fraude casos em que há abertura de empresa e transferência de patrimônio, mas não há gestão.

Na pessoa física, há dois momentos de cobrança do Imposto de Renda. A receita proveniente de aluguel está sujeita à tributação de até 27,5% (acima de R$ 4.900). Na venda, deve ser apurado ganho de capital também sujeito a alíquotas progressivas de 15% (para valores até R$ 5 milhões) a 22,5%.

Já no caso de holding optante pelo regime do lucro presumido, 32% da receita de aluguel é tributada. Imposto de Renda, CSLL, PIS e Cofins somados correspondem a 14,5% do montante total.

A alíquota sobre venda vai depender da origem do imóvel. Se for um ativo imobilizado, a tributação é de 34% e pode incidir PIS e Cofins – no lucro real ou presumido. Se for de estoque (imóvel que não é de uso nem aluguel), varia entre 6% e 8%.

Pela proposta, os dividendos resultantes dessas operações passam a ser tributados. E as holdings imobiliárias deverão obrigatoriamente ficar no regime do lucro real – menos vantajoso.

Para Natalia Zimmermann, o projeto poderia equiparar a tributação da holding à da pessoa física, para não desestimular a adoção dessas estruturas. “Acho que eles estão mirando numa situação e acertando outra”, afirma ela, sobre a desconfiança da Receita Federal de que holdings são montadas hoje só para evitar a tributação na pessoa física.

Esse tipo de estrutura também é utilizada no agronegócio, segundo Cristiano Carvalho, sócio do CMT Advogados. Mas com a mudança, diz, ficará muito cara e vai valer mais a pena deixar a tributação na pessoa física. “O uso de holdings aumentou quando surgiu a isenção dos dividendos, nos anos 90”, afirma ele, destacando que, apesar do incentivo tributário, a grande função dessas estruturas é ajudar na governança.

Pedro Carvalho, do mesmo escritório, explica que, como muitos negócios são familiares, é mais fácil estruturar uma holding e distribuir os dividendos. “Com a proposta de reforma a tributação vai de zero para 20%. Acaba com a vantagem”, afirma.

As alterações na tributação de holdings, de acordo com Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional, que congrega os auditores fiscais, são algumas das medidas antielisivas positivas do texto. “O planejamento tributário envolvendo holdings de imóveis não é ilegal, mas distorce o sistema. É uma das disfuncionalidades do Imposto de Renda.”

Por Beatriz Olivon

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/07/06/reforma-do-ir-desestimula-adocao-de-holding-familiar.ghtml

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