O PL 1397/2020, a negociação preventiva e o Poder Judiciário
“Não há razão econômica ou jurídica para que a estrutura seja desviada para a abertura de negociações privadas"
O PL 1397/2020 está na iminência de ser votado no Senado Federal e pode causar impactos negativos na economia e no funcionamento do Poder Judiciário, a pretexto de permitir a superação da crise decorrente da pandemia da Covid-19. Em razão disso, pretendo tratar neste artigo dos efeitos prejudiciais ao Poder Judiciário e apresentar uma proposta com potencial de reduzir este dano.
O PL 1397 estabelece, a partir da vigência da lei, um prazo de moratória de 30 dias, para toda pessoa jurídica de direito privado e profissional liberal, sem qualquer exigência de boa-fé, de redução de faturamento ou de existência de recursos para liquidar suas obrigações.
Superado o prazo de 30 dias, o devedor, sem necessidade de provar que tentou obter junto aos seus credores uma nova condição de pagamento, poderá apresentar ao Poder Judiciário um pedido de negociação preventiva, mediante prova da redução de mais de 30% do seu faturamento.
O devedor, após o deferimento do pedido de negociação preventiva, ganhará um prazo adicional de 90 dias de proteção contra os credores, destinado à negociação e à celebração de um acordo.
Partindo-se da premissa de que qualquer devedor orienta seu comportamento pela racionalidade econômica, e que o PL não prevê qualquer ônus de negociação no prazo de moratória de 30 dias, o devedor tenderá a se manter inerte neste prazo, buscando o Poder Judiciário para obter mais 90 dias e conseguir um acordo mais vantajoso junto a seus credores.
A pergunta que se põe é a seguinte: para iniciar uma negociação extrajudicial com seus credores, com o objetivo de celebrar um acordo, o devedor necessita de uma prévia intervenção jurisdicional? A resposta é negativa.
Cabe ao Poder Judiciário atuar somente em caso de real conflito de interesse, isto é, na hipótese de resistência dos credores à pretensão do devedor acerca da melhor forma de pagamento de suas obrigações, em razão da crise provocada pela Covid-19.
Toda a disciplina do Poder Judiciário – sua organização, garantias concedidas aos magistrados e princípios que regem a sua atuação – é estruturada para que a imparcialidade e a independência do Juiz de Direito sejam asseguradas no julgamento definitivo de uma lide, e não para que ele autorize uma negociação.
A medida proposta no PL 1397/2020 é contrária à tendência de desjudicialização de conflitos, valendo lembrar a introdução do inventário e da usucapião extrajudiciais (cf. Leis 11.441/2007 e art. 1071 do Código de Processo Civil), bem como a permissão de protesto de qualquer título de dívida e de certidões de dívida ativa, a fim de que o Poder Judiciário, neste caso, não seja mero agente de cobrança.
Há quem argumente que a intervenção do Poder Judiciário é necessária para assegurar proteção ao devedor contra seus credores por 90 dias, mas este efeito jurídico pode decorrer do simples arquivamento de uma declaração do próprio devedor na Junta Comercial ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, dando publicidade de sua intenção.
Caberá ao órgão de registro o exame dos requisitos formais e arquivar a declaração, marcando o início do prazo de negociação e de proteção do devedor contra os credores.
E caso algum credor se sinta prejudicado, poderá se dirigir ao Poder Judiciário para alegar a ausência dos requisitos legais de proteção, buscando o reconhecimento seu direito de exigir seu crédito antes do decurso dos 90 dias.
Não há, portanto, razão econômica ou jurídica para que a estrutura destinada constitucionalmente a solucionar conflitos de forma definitiva, que tem recursos materiais e humanos limitados, seja desviada para a abertura de negociações privadas.
Negociações em sindicatos, federações e câmaras de mediação, dentre outras, devem ser estimuladas, mas não mediante prévia passagem pelo Poder Judiciário, que deve estar preparado para as recuperação judiciais e extrajudiciais que serão propostas em grande quantidade.
Devemos confiar no discernimento dos próprios empresários, assim como dos trabalhadores, que em vários segmentos da economia já encontraram um ponto de equilíbrio para a superação da crise, sem intervenção de terceiros.
Está nas mãos dos ilustres integrantes do Senado Federal a oportunidade de retirar a medida preventiva da esfera de atuação do Poder Judiciário.