Negociação entre município de São Paulo e contribuintes
CÓDIGO DO CONTRIBUINTE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
O Município de São Paulo publicou a Portaria DOU n° 128 em 24/10/2019 trazendo novidade nas cobranças da dívida ativa pela regulamentação do Negócio Jurídico Processual (NJP) em seu território.
O Negócio Jurídico Processual encontra previsão nos artigos 190 e 191 do Código de Processo Civil de 2015, o qual prevê que as partes podem convencionar os detalhes da demanda conforme as particularidades de cada caso, antes mesmo de eventual processo, bem como após a extinção da relação jurídica, se as partes forem à juízo.
Mesmo que autorizado em 2015, o NJP ainda é um instituto de uso “acanhado”. Em matéria tributária, o pioneirismo em sua regulamentação coube à Procuradoria da Fazenda Nacional. A Fazenda já havia mencionado a modalidade no artigo 38 da Portaria PGFN 33/2018, na Portaria PGFN 360/2018 e na Portaria PGFN 515, porém, de forma genérica.
Maior detalhamento das hipóteses de cabimento do NJP veio com as Portarias PGFN 360, 515 e 742, publicadas respectivamente em junho, agosto e dezembro de 2018, e desde então, observa-se um aumento concreto no volume de NJPs celebrados. A título exemplificativo, há negócios jurídicos celebrados para liberação de ações e bens oferecidos em garantia, para autorização de alienação direita pelo contribuinte de bem imóvel e móvel (ações) ofertados em garantia mediante vinculação do produto da venda ao pagamento de débitos em aberto, para regularização de parcelamento em vias de rescisão etc.
Os artigos 190 e 191 do Código de Processo Civil, bem como as Portarias da PGFN, criaram balizas para que Estados e Municípios também criassem suas normas internas para a aplicação do Negócio Jurídico Processual em seus respectivos territórios. Assim, foi criado no estado de Minas Gerais, por meio da Resolução AGE n° 11, de 22/03/2019, no Rio de Janeiro, por meio da Resolução 4324 de 07/01/2019, e Pernambuco através da Portaria nº 24 de 14/02/2019. Em outubro de 2019 foi então publicada a Portaria n° 128 no Município de São Paulo, versando sobre o assunto.
A nova portaria da PGM/SP traz, via de regra, previsões semelhantes às das portarias federais pioneiras (em especial Portaria PGFN 742/18), porém com alguns diferenciais relevantes, como se pode analisar a seguir:
Tema |
PGFN 742 |
PGM 128 |
Oferecimento de garantia de responsáveis e/ou representantes |
Ausência de previsão expressa de garantias de terceiros. |
Art. 3º, §1º: Para todas as hipóteses de NJP, poderão ser previstas as seguintes condições, cumulativa ou alternadamente: VII. Garantia fidejussória dos administradores da pessoa jurídica devedora, independentemente da apresentação de outras garantias; |
Suspensão de atos de cobrança |
Art 3°, § 4°: Sem prejuízo da legislação aplicável aos débitos negociados, a celebração de NJP que objetive estabelecer plano de amortização do débito fiscal não suspende a exigibilidade dos créditos inscritos em dívida ativa da União. |
Art. 3°, § 2º. O NJP que versar sobre plano de parcelamento do débito poderá suspender atos constritivos, nos correspondentes processos de execução, mas não suspenderá a exigibilidade dos créditos tributários, o que dependerá do pagamento da primeira parcela do plano, caso autorizado. |
Prazo de vigência |
Art. 3º. Sem prejuízo da previsão de outras obrigações decorrentes das peculiaridades do caso concreto, o NJP que objetive estabelecer plano de amortização do débito fiscal deverá prever, cumulativa ou alternativamente, as seguintes condições: IX. prazo de vigência não superior a 120 (cento e vinte) meses, salvo autorização expressa da Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos; |
Art. 1º, §1º. É vedada a celebração de NJP: VIII. Cujas obrigações superem o prazo de 60 (sessenta) meses da data da autorização. |
As condições estipuladas para a celebração do NJP deverão ser bem analisadas, recomendando-se o uso do instituto com as devidas cautelas aqui indicadas.
De início, e em especial, observa-se que a Portaria Municipal prevê a possibilidade de exigência de garantia fidejussória dos administradores da pessoa jurídica devedora, independentemente de apresentação de outras garantias, o que evidencia verdadeira ilegalidade. Em tal hipótese, os administradores da pessoa jurídica passam a assumir a responsabilidade em garantir a dívida da empresa com seu patrimônio pessoal, sem considerar a apresentação de garantias alternativas e menos onerosas.
Como se sabe, pelo menos a princípio (e salvo de caracterizada a hipótese legal estrita), os sócios não respondem pelas dívidas assumidas pela empresa, que por sua vez, possuem personalidade jurídica própria, em observância ao princípio da autonomia patrimonial, prevista nos artigos 1.024 e art. 795 do Código de Processo Civil. Excepcionalmente, a legislação prevê a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica conforme artigo 50 do Código de Processo Civil, mas somente quando houver abusos, como o desvio de finalidade, confusão patrimonial e afins, não devendo ser generalizado como foi feito no mencionado artigo da portaria.
Ainda nesse sentido, cabe observar que a MP da Liberdade Econômica, convertida na Lei 13.874/19, vai de encontro ao disposto da Portaria Municipal, que ao alterar o artigo 50 do Código Civil conceituou de maneira mais clara os requisitos para a caracterização da desconsideração da personalidade jurídica. Tal medida vem conferir a necessária segurança jurídica aos sócios e administradores, evitando que o patrimônio destes venham sofrer restrições, cabendo ao magistrado a avaliação diante do caso concreto, limitando-se aplicar o instituto apenas quando comprovado abuso e dolo.
Quanto ao prazo de vigência do Negócio Jurídico Processual estipulado pela Portaria da PGM/SP, observa-se que o limite de 60 meses não traz benefícios relevantes ao contribuinte, haja vista que eventual adesão a parcelamento ordinário lhe concederia o mesmo prazo. Ao estipular esse prazo (que, para fins de comparação é de 120 meses em âmbito federal, ou seja, o dobro), o município peca em tornar o Negócio Jurídico Processual como um meio atrativo para o requerente dirimir seu litígio ou liquidar sua dívida, o que poderia ser resolvido pela mera adesão ao parcelamento ordinário em igual período.
Por outro lado, a Portaria Municipal acerta ao inserir uma ressalva no que tange à suspensão dos atos de cobrança do crédito devido. Tal como a Portaria da Procuradoria da Fazenda Nacional, aquela reafirma a impossibilidade de suspensão da exigibilidade dos créditos tributários, porém, permite a suspensão dos atos constritivos para que o contribuinte requerente tenha uma maior flexibilidade em acordar a controvérsia perante o Município de forma mais justa, sem que haja atos unilaterais que visam a imediata constrição do crédito.
A ideia deste artigo é mostrar que estão sendo dados passos – ainda que pequenos – para um maior diálogo entre Fisco e contribuintes e que, com a vontade bilateral, pode-se construir exemplos bem-sucedidos, aprimorar as regulamentações e expandir seu uso.