Grupo econômico e IDPJ
“Uma empresa de determinado grupo econômico responde, ou não, por dívidas de outra empresa do mesmo grupo?”
São cada vez mais frequentes no comércio nacional a concentração e a centralização de capitais em forma de Grupos Econômicos, seja para diversificação dos negócios de determinados empresários, seja pela exigência mercadológica cada vez maior para práticas de governança e planejamento societário.
Tão crescente, porém, como a visualização destes players em nosso cenário econômico é a insegurança jurídica a que as empresas integrantes de Grupo Econômico se submetem quanto à responsabilidade jurídica por passivos de empresas coligadas.
Aqui, portanto, a problemática: uma empresa de determinado Grupo Econômico responde, ou não, por dívidas de outra empresa do mesmo Grupo?
Pois bem.
Fato é que a solidariedade não se presume, resultando da lei ou de contrato (art. 265, CC). Desse modo, não havendo tal solidariedade na lei e não tendo as partes a fixado em contrato, em regra, uma empresa não responde por dívidas de outra empresa do Grupo Econômico pelo simples fato de integrarem um mesmo conglomerado.
Esta empresa, portanto, só irá responder por dívidas de outra empresa de um mesmo Grupo Econômico quando for comprovado que esta autonomia de personalidade jurídica está sendo utilizada de modo abusivo, com desvio de finalidade ou confusão patrimonial, pois a mera existência de Grupo Econômico “não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica” (art. 50, §4º, CC).
Comprovação essa que deverá ocorrer dentro de um Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previsto no artigo 133 do CPC, conforme, inclusive, reforçado no Enunciado 91 da III Jornada de Direito Comercial.
O grande problema é que, muito embora o artigo 50 do CC fale expressamente em desconsideração da personalidade jurídica de Grupo Econômico (caso presentes os requisitos), o Código de Processo Civil, nas regras relativas ao Incidente de Desconsideração, não previu, expressamente, sua necessidade de utilização para a situação em questão.
Resultado: insegurança jurídica!
Não raro encontramos exemplos de decisões judiciais que reputam desnecessária a instauração do Incidente para a responsabilização de empresas do mesmo Grupo Econômico.
Cito, como exemplo, caso em que atuei na defesa de empresa integrante de um Grupo Econômico e que, diga-se de passagem, possuía sócios distintos das demais empresas do Grupo, tendo apenas identidade de um sócio controlador (que harmonizada as estratégias do grupo de empreendedores). Na oportunidade, defendi que a empresa em questão só poderia responder por dívidas das demais empresas do Grupo caso comprovado, em incidente de desconsideração, algum dos requisitos do artigo 50.
Trata-se da Apelação nº 0029928-42.2018.827.0000, que tramitou no Tribunal de Justiça do Tocantins, cujo resultado foi no sentido de que “para o reconhecimento de Grupo Econômico é desnecessária a instauração do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que tal incidente ocorre apenas quando há alegação de desvio de finalidade da sociedade empresária, ou mesmo pela confusão patrimonial (art. 50 do CC/02).”
A questão fica ainda mais complexa quando a analisamos sobre o prisma das dívidas sobre as quais há previsão de solidariedade, como a trabalhista (art. 2º, §2º, CLT). Justamente por tal solidariedade é que o TST tem entendido pela desnecessidade de tal Incidente, como julgado no Ag-AIRR-856-80.2015.5.03.0146 segundo o qual “a pessoa jurídica executada continua hígida, e nada é afetado quanto à sua responsabilidade direta e principal”, “apenas se ampliou o rol dos responsáveis pelo adimplemento da obrigação para alcançar a empresa que, como integrante do grupo, possa responder de forma solidária”.
Fundamento semelhante é utilizado para dívidas tributárias, pois, nesses casos, há muito tempo há consolidação jurisprudencial no sentido de que o redirecionamento da execução fiscal a sócios e pessoas jurídicas independe da desconsideração da personalidade jurídica.
O que, recentemente, levou o STJ a entender pela desnecessidade do Incidente para os casos de Grupo Econômico no REsp nº 1.786.311/PR, no qual definiu-se que “evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade”.
Com efeito. Vivenciamos, nesse ponto, mais uma insegurança jurídica danosa ao ambiente comercial, a contrassenso da necessidade de fomento ao empreendedorismo no Brasil. A própria Lei da Liberdade Econômica intentou dar maior segurança à formação de Grupos Econômicos, com o já mencionado acréscimo do §4º ao art. 50 do CC, mas o fez de modo ainda insuficiente, como aqui debatido.
Melhor seria, com as devidas vênias aos posicionamentos contrários, sedimentar a necessidade do Incidente para todos os casos, ainda que para a responsabilização de dívidas com previsão de solidariedade, mesmo que, neste caso, limitado à possibilidade de se comprovar, ou não, a existência de Grupo Econômico, e não os requisitos da desconsideração.
Extirpar-se o contraditório e a possibilidade de defesa jurídica é um tratamento incompatível com a importância que tais conglomerados têm para o nosso desenvolvimento.
Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/grupo-economico-e-idpj-02022020