Aumentos de capital em conflitos societários

Aumentos de capital em conflitos societários

E quando a capitalização é mesmo necessária?”

Aumentos de capital mediante a subscrição de novas participações societárias têm o potencial inerente de afetar a “arrumação do poder societário[1]” – uma das mais relevantes funções do capital social. Se é verdade que tal efeito colateral serve de terreno para abusos e irregularidades[2], é igualmente verdade que existem circunstâncias em que o aumento de capital se mostra fundamental à sobrevivência da sociedade.

Entretanto, situações de conflito tendem a aguçar a reatividade dos sócios e impedir a percepção dessa dualidade natural, o que pode afetar negativamente o melhor interesse e a própria continuidade da sociedade.

De largada, vale registrar que deixaremos a análise dos critérios de fixação do preço de emissão e a eventual diluição para um próximo encontro aqui no JOTA. De todo modo, é prudente já antecipar que uma vez configurada a necessidade do aumento de capital, o preço de emissão das novas ações deverá ser fixado de maneira a não gerar diluição injustificada dos acionistas, levando-se em conta, alternativa ou conjuntamente, os seguintes critérios estabelecidos pelo § 1º do artigo 170 da Lei das S.A.: (a) perspectiva de rentabilidade da companhia; (b) valor patrimonial da ação; e (c) a cotação das ações nos mercados regulamentados de valores mobiliários.

O aumento de capital é uma operação eminentemente voluntária. Ressalvadas poucas e específicas exceções, o ordenamento brasileiro não adota o capital social mínimo, tampouco exige proporcionalidade entre a atividade exercida e o capital social destacado para tanto[3].

A decisão sobre a conveniência e a oportunidade de aumentar o capital social é prerrogativa interna corporis. Não ousa a lei descrever minudentemente as circunstâncias em que o aumento é efetivamente necessário ou deve ocorrer.

Pudera: os elementos econômicos que ensejam a necessidade de aumento de capital “estão sujeitos à influência de um sem-número de fatores, que variam quase ao infinito, em função da dimensão da empresa, do ramo de atividade e de fatores conjunturais, o que torna impossível a elaboração de uma fórmula geral que abarque todas as hipóteses[4]”. De todo modo, tais elementos parecem sempre orbitar um único grande tema: as modalidades de financiamento societário.

Em linhas gerais, as sociedades podem se financiar de duas formas: com capital próprio – advindo de contribuições iniciais, aumentos de capital dos sócios ou da capitalização das próprias reservas – ou com capital de terceiros – mediante a contratação de dívida.

Do ponto de vista teórico, é pouco factível antever todos os cenários que ensejem a necessidade de aumento de capital. Mas não se olvide: a realidade demonstra que há casos em que o aumento é mesmo necessário. Para ilustrar esse ponto, destacamos abaixo algumas situações hipotéticas que corriqueiramente aparecem na prática e no dia a dia societário:

Suponha-se uma companhia que atue em setor regulado, ou que contrate com o Poder Público. Há determinadas circunstâncias em que o aumento de capital se mostra como caminho necessário para que a sociedade mantenha sua qualificação econômico-financeira, adeque seu capital regulatório ou sua margem de solvência e possa, então, seguir seu curso regular.

Imagine-se, ainda, uma companhia que já tenha contratado relevante endividamento para a implementação de um projeto, e não disponha de linhas de crédito adicionais. Qualquer desencaixe entre o fluxo de caixa da operação e o cronograma de desembolsos poderá significar a necessidade de contribuição de recursos. Em sendo inviável a contratação de nova dívida, a contribuição pelos sócios pode ser a única alternativa à preservação da empresa.

Aliás, a existência de endividamento substancial pode ser fator a sugerir a pertinência do aumento de capital. É usual a estipulação de covenants financeiros a serem observados pela sociedade financiada.

Não raro, os covenants contemplam indicadores que monitoram o patrimônio líquido. A inobservância dos termos contratuais pode ensejar o vencimento antecipado da dívida e o consequente cross default de todos os outros endividamentos eventualmente contratados pela companhia, o que pode criar um perigoso efeito cascata rumo à insolvência.

E quando a necessidade do aumento de capital se depara com impasse entre os sócios? É possível contornar a indefinição?

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já enfrentou o tema, valendo-se menção a dois precedentes específicos.

No primeiro caso, o TJSP julgou agravo de instrumento em que sócio detentor de 50% do capital de uma limitada pretendia realizar contribuições para liquidar parte da dívida da sociedade – dívida essa que já remontava trinta vezes o valor do seu capital social.

No caso concreto, o TJSP entendeu que o aumento de capital se fazia mesmo necessário, e concedeu tutela antecipada para que fosse implementada a contribuição: “a situação fática possibilita o aumento de capital para que a empresa tenha regular sequência e cumpra a dívida […], mesmo porque o pretendido aumento de capital não trará consequências aos agravados, já que poderão exercer o direito de subscrição e integralização[5]”.

Em outro julgado, envolvendo companhia em recuperação judicial, o TJSP entendeu que a acionista titular de relevantes 40% do capital social estaria agindo de forma abusiva ao não aprovar a implementação do aumento do capital social da recuperanda – aumento esse que havia sido previsto no plano de recuperação judicial.

Muito embora tenha sido apresentado um novo plano posteriormente – em que se excluiu a previsão de aumento de capital como forma de soerguimento da sociedade –, o TJSP concedeu a dispensa genérica do voto do minoritário, nos seguintes termos: “[l]ogo, neste cenário amplo, no qual pode ainda advir postura combativa da agravante, o recurso não perdeu seu objeto, sendo necessário deixar, desde já, afirmada a dispensa de voto afirmativo da agravante em situações nas quais se verifique posicionamento abusivo da acionista minoritária, em nítido conflito com os interesses defendidos no processo de recuperação[6]”.

Perceba-se que os precedentes acima se referem a casos específicos em que a necessidade da contribuição de recursos parece ter sido efetivamente demonstrada. Tais julgados não devem ser lidos como uma tendência genérica do TJSP em considerar que aumentos de capital são, em regra, necessários.

Sobre essa ressalva, destaca-se, a título de exemplo, precedente em que o TJSP se baseou em laudo técnico para decidir que o aumento de capital, nas circunstâncias propostas, não se demonstrava necessário, havendo alternativas outras a serem perseguidas[7].

Chamadas de capital não são agradáveis para os sócios, afinal repercutem diretamente nos seus respectivos patrimônios. Naturalmente, a previsibilidade sobre os valores envolvidos na empreitada e sobre o cronograma de contribuição dos recursos tende a apaziguar as incertezas e diminuir o espaço amostral de conflito.

Nesse sentido, tanto quanto possível, são bem-vindos documentos societários e acordos de sócios claros e precisos versando sobre a origem do funding (se capital próprio, capital de terceiros ou uma mescla), a estimada necessidade de capital da sociedade, a periodicidade das eventuais chamadas de capital e os mecanismos de resolução de disputas focadas nesse tema – como os dispute boards, por exemplo.

De todo modo, deve-se ter claro que, por vezes, aumentos de capital são mesmo necessários. A análise de tal necessidade deve, sempre, ter como elemento norteador o melhor interesse da sociedade, e não deve se imiscuir com eventuais desavenças societárias nutridas pelos sócios – sob pena de se colocar em risco a continuidade da sociedade.

[1] DOMINGUES, Paulo de Tarso. Do capital social: noção, princípios e funções. 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 262.

[2] Para maiores informações sobre as mais comuns irregularidades em aumentos de capital, vide ALMEIDA, Arthur de Paula Lopes. Irregularidades nos aumentos de capital das sociedades anônimas: perspectivas de Tribunais selecionados e da CVM. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019 – dissertação que também inspirou a elaboração deste artigo.

[3] DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização societária: financiamento e responsabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2012, pp. 116-120.

[4] PENTEADO, Mauro Rodrigues. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 68.

[5] TJSP. Ap. nº 0347031-31.2009.8.26.0000, 7ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Natan Zelinschi de Arruda, DJ 17.06.2009.

[6] TJSP. AI nº 2257715-26.2016.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Alexandre Marcondes, DJ 31.07.2018.

[7] TJSP.  Ap. nº 9219672-81.2005.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Adilson de Andrade, DJ 25.08.2009.

Por Fernanda Rezemini Cardosos e Arthur de Paula Lopes Almeida

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/aumentos-de-capital-em-conflitos-societarios-14052021

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