Arbitragem em matéria tributária
Arbitragem tributária brasileira está no forno
É com grande entusiasmo que noticiamos a propositura do Projeto de Lei (PL) nº 4.257/19, de autoria do Senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), que prevê a instituição da arbitragem em matéria tributária.
Em linhas gerais, o PL propõe alterações na Lei nº 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais) para possibilitar o uso da arbitragem tributária nas hipóteses de débitos inscritos em dívida ativa e objeto de execução fiscal, assim como de ação consignatória e anulatória.
Nesse sentido, uma vez garantido o débito tributário por depósito, fiança ou seguro, o contribuinte poderia optar pela via do juízo arbitral (ao invés da via judicial). O processo se desenvolveria em câmaras arbitrais já existentes, desde que de reconhecida experiência, competência e idoneidade na administração de procedimentos arbitrais, assim como já ocorre com as arbitragens envolvendo a Administração Pública.
O projeto é muito bem pensado, bem escrito, simples e enfrenta pontos de preocupação que têm sido objeto de amplo debate, como o custo de uma arbitragem tributária. É de conhecimento geral que as arbitragens comerciais têm custo elevado, o que faz com que alguns sejam descrentes da sua efetividade no direito tributário, seja da perspectiva do acesso à jurisdição, seja em relação ao desafogamento do Poder Judiciário.
A proposta, nesse ponto, é bastante razoável e indica que as despesas do processo arbitral serão adiantadas pelo contribuinte devedor e não podem exceder o montante fixado a título de honorários advocatícios, os quais, por sua vez, serão limitados à metade do que seria definido em processo judicial, com base nas regras do artigo 85, do Código de Processo Civil.
O PL também prevê o controle da arbitragem tributária pelo Poder Judiciário, assegurando às partes o direito de pleitear a declaração de nulidade da sentença arbitral ao órgão judicial competente, caso contrarie súmula vinculante, decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade ou acórdão proferido em sede de repetitivo ou repercussão geral.
Por fim, não há qualquer restrição ou delimitação das matérias arbitráveis, nem limites de valores, ou de qualquer outra natureza. A única condição é que o debate sobre dívida tributária já tenha chegado ao Judiciário e a arbitragem seja utilizada como via alternativa após a processos já ajuizados. Sobre o tema, a redação do PL sugere que a fase de execução da decisão arbitral seria realizada na via judicial, o que leva à compreensão de que o processo judicial que originou a arbitragem ficaria suspenso.
A despeito de o PL alçar ao plano concreto a possibilidade do emprego de arbitragem em matéria tributária, há algumas fragilidades, facilmente contornadas, mas que devem ser enfrentadas.
O primeiro ponto diz respeito à evolução e aprovação desse projeto, que trata de questão polêmica: a execução fiscal administrativa. A experiência pretérita, do Projeto de Lei Complementar nº 469, apresentado à Câmara dos Deputados em 20/04/2009, mostra que a tramitação conjunta desses temas é tarefa árdua. Parece-nos, pois, que o debate sobre a arbitragem seria facilitado se houvesse uma separação dos tópicos, quando da sua discussão no Congresso Nacional. Porém, se houver vontade política, o projeto tem condições de ser aprovado de uma forma ou de outra, representando o início da arbitragem tributária no Brasil, com margem para expansão futura.
A segunda questão relaciona-se com o fato de que a instituição da arbitragem desacompanhada de uma alteração mínima no Código Tributário Nacional (CTN), via lei complementar, pode ser questionada, além de criar desconforto e desconfiança na sua utilização pelo Fisco ou pelos contribuintes. Isso porque, de nossa perspectiva, há necessidade de previsão expressa da sentença arbitral como causa extintiva da relação jurídica tributária.
É bem verdade que essa crítica poderia ser superada pelo fato de que a jurisprudência, assim como o artigo 31 da Lei nº 9.307/96 (Lei da Arbitragem), deixam clara a equiparação da sentença arbitral à sentença judicial. Portanto, as menções a sentença e decisões do CTN deveriam ser interpretadas e lidas com essa amplitude. Ainda assim, a alteração do artigo 156 do Código, para contemplar expressamente a sentença arbitral, trariam maior segurança jurídica ao instituto.
De outro lado, uma vez que o PL parte do pressuposto de que a arbitragem se instalaria após a existência do processo de execução fiscal e garantia do débito respectivo, não haveria motivo para as partes se preocuparem com a suspensão da exigibilidade. Embora pareça óbvio, contudo, seria recomendável que houvesse orientação expressa para suspensão processual, a fim de que não haja movimentação concomitante de tribunal arbitral e judiciário.
Esse ponto nos leva a uma terceira preocupação, que é a efetividade do uso da arbitragem em termos de desafogamento do Judiciário. Ainda que essa não seja e nem deva ser a função central do instituto, deve-se notar que o processo iniciado não seria extinto em razão da opção pela arbitragem; haverá, apenas, a suspensão, podendo retornar para execução do julgado.
Por fim, o projeto traz a possibilidade de manifestação de vontade do contribuinte pela via do juízo arbitral, assegurando que se trata do exercício de um direito potestativo. Contudo, tal opção não pode ser unilateral. De nossa perspectiva, há a necessidade de a Fazenda Pública igualmente manifestar-se pelo desejo de resolver o conflito instalado pela via da arbitragem, sob pena de estarmos diante de uma arbitragem necessária, de constitucionalidade questionável. A solução, nesse caso, seria a edição de um decreto do Poder Executivo prevendo a arbitragem nos casos previstos em lei, ou mesmo uma portaria das procuradorias da Fazenda nesse sentido.
Em que pesem todas as considerações acima, entendemos que esses pontos não devem ser empecilho à aprovação e efetiva instituição de mais essa opção em um sistema multiportas de solução de disputas entre Fisco e contribuintes. Como já tratamos em outros textos[1], a previsão da arbitragem tributária seria um grande passo para a modernização de nosso modelo de resolução de conflitos, absolutamente em linha com as diretrizes do Código de Processo Civil de 2015. A iniciativa do Senador e da equipe indicada na exposição de motivos, responsáveis por colocar o assunto na pauta, deve ser aplaudida. Para além disso, deve ser objeto de amplo debate público, para que possamos evoluir no tema, que pode ser o motor de melhorias concretas no ambiente tributário nacional.
[1]Sobre o tema, confira-se: PISCITELLI, Tathiane, CONRADO, Paulo César, MASCITTO, Andréa. “Reflexões sobre a criação da arbitragem tributária no Brasil”. Jota. Publicação de 6.7.2019 (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/reflexoes-sobre-a-criacao-da-arbitragem-tributaria-no-brasil-06072019), PISCITELLI, Tathiane, MASCITTO, Andréa, MENDONÇA, Priscila Faricelli de (coord.). “Arbitragem tributária: desafios institucionais brasileiros e a experiência portuguesa“. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, PISCITELLI, Tathiane, MASCITTO, Andréa. “Desafios e limites da arbitragem tributária no direito brasileiro”. Revista de Arbitragem Tributária n. 8. Lisboa: CAAD, 2018, MASCITTO, Andréa. “Repensando o modelo: como desjudicializar as disputas tributárias no Brasil”. InDOMINGOS, Francisco Nicolau. Justiça Tributária: um novo roteiro. Lisboa: Rei dos Livros, 2018, PISCITELLI, Tathiane. “Há ambiente institucional para o uso de métodos alternativos de resolução de conflitos em matéria tributária?” In: VILLA LOBOS, Nuno, PEREIRA, Tânia Carvalhaes (org.). Arbitragem em Direito Público. Rio de Janeiro: FGV Projetos, 2019, v. 1, p. 239-249.