A Recuperação Judicial e o Crédito Tributário

A Recuperação Judicial e o Crédito Tributário

A Recuperação Judicial e o Crédito Tributário

Para proteger a ordem econômica e a livre iniciativa da atividade empresarial, o Estado disponibiliza ferramentas para zelar dos interesses da empresa a fim de manter o seu funcionamento, através de um plano traçado na Lei de n. 11.101/2005 conhecido como a Lei de Recuperação Judicial. A lógica é simples, o legislador colocou à disposição da empresa um plano de soerguimento visando a preservação de empregos, pagamento dos credores e a manutenção do giro comercial da empresa.

Neste aspecto, a Lei dispõe  que “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Pois bem, a regra aqui é salvar a empresa! Contudo, na prática não é exatamente o que acontece. Após 15 anos da vigência da Lei de Recuperação Judicial no Brasil, não há um cenário satisfatório na efetiva recuperação dessas empresas em razão dos entraves burocráticos na tramitação do processo judicial aliado a morosidade da justiça, que acaba não produzindo um desfecho vantajoso à empresa. Somente no ano de 2019, com base nos indicadores econômicos do Serasa Experian, 1.387 empresas (dentre elas micro, média e grande empresa) solicitaram a recuperação judicial e 1.259 foram deferidas no âmbito judicial. Isso demonstra que a crise ainda vem assolando as empresas e há necessidade de que as normas de recuperação de crédito promovam a efetividade do plano de recuperação.

No âmbito do processo judicial, a recuperação é submetida a uma vara que nem sempre é especializada no tema, o que implica na necessidade de avaliação de conhecimentos de especialistas que nem sempre estão à disposição do juízo, necessitando de peritos com conhecimentos técnicos, seja contábil ou econômico, além da morosidade já de praxe da Justiça Brasileira. Em contrapartida ao plano de recuperação, há que ressaltar que os Governos (Federal, Estadual e Municipal) não possuem seus créditos sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial, tanto é que a cobrança dos créditos tributários possui autonomia e privilégio em relação aos demais créditos.

Isso porque o crédito tributário configura direito indisponível e não pode ser objeto de renúncia ou transferência. É o que dispõe o artigo 187 do Código Tributário Nacional. Segundo o Art. 187, a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. Nesse mesmo sentido, a Lei de Recuperação Judicial enfatiza (Art. 6º) que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. As execuções de natureza fiscal (§ 7º) não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

Mesmo sendo um meio de soerguimento de empresas, ainda há a primazia do crédito tributário, pois ele permanece de fora do juízo de recuperação. É certo também que a dívida tributária inviabiliza o crescimento da empresa, de tal maneira que permitir a cobrança pelas vias normais (execução fiscal) desse crédito vai de encontro com plano de recuperação inicialmente traçado.

Todavia, em razão dessa autonomia, não se pode perder de vista o propósito da recuperação. Nesse aspecto, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento que os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da empresa em recuperação devem se submeter ao juízo universal (da recuperação) ao invés do juízo das execuções fiscais. Significa dizer que se deve aguardar o deslinde do processo de recuperação que fica a cargo do juízo universal, considerado nesse caso o mais aparelhado e conhecedor das necessidades da empresa em recuperação a fim de evitar constrições que inviabilizem o plano de reestruturação inicialmente traçado.

Embora as execuções fiscais não sejam suspensas, não haverá alienação sem a submissão ao juízo recuperacional, pois deve-se privilegiar esse juízo quando se referir à alienação de bens. De fato, a  Lei 11.101/2005 precisa de ajustes e adaptações no contexto da recuperação judicial, mas ela já representa um grande avanço como instrumento de amparo às empresas em dificuldades.

Essas dificuldades não são desconhecidas do Poder Judiciário, tanto é que o Conselho Nacional de Justiça juntamente com o Supremo Tribunal Federal pretendem a implantação de um plano de agilidade dos processos de recuperação judicial, a fim de melhorar o ambiente de negócios no país. Há a necessidade de mecanismos que confiram efetividade, celeridade e segurança jurídica ao tratamento de processo de recuperação judicial, com responsabilidade de estimular a atividade econômica e para isso  sugeriram algumas recomendações  a serem seguidas por todo o Poder Judiciário.[1]

Conclui-se que o Estado deve proporcionar meios de preservar a ordem econômica por meio de instrumentos eficientes para sanar a crise econômica, impactando de forma positiva a economia brasileira e o desenvolvimento da nação.

[1] https://www.cnj.jus.br/recuperacao-de-empresas-recomendacoes-buscam-agilizar-processos/
[2] https://www.serasaexperian.com.br/amplie-seus-conhecimentos/indicadores-economicos

Autor: Fábio Rodrigues Garcia, advogado tributarista e sócio do escritório RGSA Advogados.

Fonte: http://digital.jornalcruzeiro.com.br/pub/cruzeirodosul/index.jsp?serviceCode=login&numero=35378&edicao=38252#page/8

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