Placar sobre ágio no Judiciário é favorável aos contribuintes
“Levantamento de escritório de advocacia mostra 30 decisões a favor de empresas”
Contribuintes estão conseguindo na Justiça suspender autuações fiscais por amortização indevida de ágio. O placar da disputa com a Receita Federal, ao contrário do que ocorre no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), está equilibrado: 30 decisões de mérito favoráveis e 28 desfavoráveis, de acordo com levantamento realizado pelo escritório Mattos Filho.
Na discussão sobre uso de empresa veículo (constituída para a operação de aquisição), os contribuintes estão levando vantagem. Há nove decisões de mérito favoráveis – duas de segunda instância – e quatro desfavoráveis. Em outro tema importante, o que trata de ágio interno (dentro do mesmo grupo econômico), há empate, com dez entendimentos para cada lado.
“As discussões na Justiça estão entrando no estágio de amadurecimento”, diz o advogado Paulo Camargo Tedesco, sócio do escritório Mattos Filho. “Pelas decisões, verifica-se que o Judiciário privilegia a livre iniciativa e só censura a fraude, o dolo e a simulação. É uma leitura mais positiva, que difere da ótica do administrativo.”
Uma das decisões de segunda instância favoráveis aos contribuintes, na discussão sobre adoção de empresa veículo, deixa claro o posicionamento do Judiciário. O caso, analisado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, envolve a SM Empreendimentos Farmacêuticos. A Fazenda Nacional tentava derrubar, por meio de agravo de instrumento (nº 50013 94-68.2019.4.03.0000), decisão que suspendeu cobrança de pouco mais de R$ 69 milhões, referente a Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
Em seu voto, o relator do caso, desembargador Antonio Cedenho, afirma que “o contribuinte não pode ser compelido a realizar negócios desvantajosos quando é licitamente possível agir de outro modo e obter a redução legal da carga tributária”. E acrescenta: “É necessária a observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para a interferência do Estado na autonomia e na liberdade do contribuinte para efetuar seu planejamento tributário.”
Nesse caso, o contribuinte decidiu levar a questão diretamente para o Judiciário, de acordo com o advogado Filipe Richter, do escritório Veirano Advogados, que o assessora. “As chances eram pequenas na esfera administrativa”, diz ele, acrescentando que a decisão é a primeira favorável do TRF da 3ª Região e um bom indicativo de como os desembargadores devem analisar o assunto.
A advogada Ana Carolina Monguilod, do escritório PGLaw, entende que os julgadores adotaram uma postura que se espera do Judiciário. “Mais racional e baseada na lei. Muitos dos requisitos exigidos pelo Carf não têm base em lei”, afirma.
Para o advogado Matheus Bueno de Oliveira, do Bueno & Castro Tax Lawyers, a decisão é importante pelo fato de os desembargadores entenderem que a fiscalização não pode criar obstáculos com fundamentos subjetivos e que o contribuinte seguiu a legislação aplicável à época do fato gerador.
Além disso, acrescenta o advogado, outro ponto relevante foi a manutenção, pelo TRF, do entendimento de que a fiscalização não poderia ter aplicado ao caso a norma antielisão, por não ter sido regulamentada. “No recurso, a União alega que a base não seria a norma antielisão. Mas o TRF manteve o argumento do juiz e reforçou que a operação atendia tudo que era previsto à época”, diz.
Prevista no Código Tributário Nacional (CTN), a norma antielisão é muito usada pela fiscalização para desconstituir os chamados planejamentos tributários. A questão está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) e chama a atenção o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, seguido pelos outros quatro ministros que já votaram.
Segundo ela, a norma, estabelecida pelo parágrafo único do artigo 116 do CTN, não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas, a economia fiscal, “realizando suas atividades de forma menos onerosa e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada”.
Em outro acórdão, porém, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou o pedido do contribuinte por entender que a operação, de ágio interno, estaria vedada legalmente, com base em normas do Conselho Federal de Contabilidade e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O caso é da Viação Cometa, que não conseguiu reverter decisão de primeira instância desfavorável.
No entendimento do relator do processo na 6ª Turma, juiz federal convocado Paulo Sarno, “a configuração do ágio pressupõe operação entre partes independentes com a real intenção de investimento, e não uma negociação consigo mesmo”.
A análise envolvia a operação de aquisição de 99% das ações da Viação Cometa pela empresa Cometapar Participações, que foi incorporada posteriormente pela primeira. O caso (processo nº 0027143-60.2009.4.03.6100) já foi levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Antes, o TRF da 4ª Região considerou regular operações que resultaram em ágio interno. O tribunal concluiu, por meio de prova técnica, que a Todeschini – Indústria e Comércio calculou e amortizou o ágio de forma correta, afastando a tese de que houve simulação ou conduta fraudulenta. O caso (processo nº 5005789-24.2012. 4.04.7113) transitou em julgado, depois de o STJ afirmar não ser possível reanalisar provas.
Em nota, a Coordenação-Geral da Representação Judicial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que monitora cerca de 260 processos sobre ágio e que são poucos os julgamentos de mérito nos tribunais regionais federais. Entre as decisões favoráveis a contribuintes, acrescenta o órgão, a grande maioria se deu em agravo de instrumento, “não raras vezes sem adentrar no exame da matéria de fundo”.