Recuperação extrajudicial de empresas

Recuperação extrajudicial de empresas

“A fase extrajudicial da recuperação mista deve primar pela confidencialidade, para evitar potencial abalo de crédito”

O projeto de reforma da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE) alcançou seus objetivos no tocante à recuperação extrajudicial? Não! Foi longe. Contudo, poderia ter ido além se tivesse corrigido os erros e sanado as deficiências da Lei nº 11.101, de 2005, na linha preconizada pela Comissão Econômica Europeia (CEE).

Com efeito, diante dos desprezíveis resultados das leis de reestruturação de empresas em dificuldades financeiras na Europa, a CEE, por meio da “Recomendação 2014/135/EU”, enfatizou a premente necessidade de os Estados- membros (a) atualizarem as suas legislações com base em dois princípios de política jurídica: a prevenção e a desjudicialização e (b) priorizarem medidas preventivas, pré-concursais e extrajudiciais, que visassem à reorganização das empresas viáveis, à preservação dos empregos e à satisfação dos direitos e interesses dos credores.

A fase extrajudicial da recuperação mista deve primar pela confidencialidade, para evitar potencial abalo de crédito

Da Lei de Insolvência alemã (InSo), do Código de Falências dos Estados Unidos (USBC), do Código de Comercio francês (CC), do Ato das Companhias inglês (CA) e da Lei de Falências italiana (LF), inferimos que há dois tipos de recuperação extrajudicial: a pura (REP) e a mista (REM), extrajudicial e judicial, havendo a REP fracassado, v.g., “Out-of-court workout” americano e o “Accordi di Risanamento” (LF, art. 67.3.d).

No Senado Federal, o projeto poderá ser aperfeiçoado a partir das seguintes ideias: a fase extrajudicial da REM deve primar pela confidencialidade, para evitar potencial abalo de crédito da empresa e fiasco semelhante ao das leis francesas “Prévention e Règlement Amiable des Difficultés des Entreprises” (CC, art. L 611.1) e “Sauvegarde des Entreprises” (L. 2005-845), que não dedicaram a indispensável atenção ao dilema confidencialidade/publicidade, o que levou à edição do art. L. 611-8 do CC e à obrigatoriedade do sigilo das negociações entre a empresa e os credores e à proibição da divulgação de informações extraídas de seus livros e documentos.

A fase judicial da REM exige transparência, publicidade e controle do Poder Judiciário, devido às consequências que produz em relação aos sócios, aos credores e ao mercado, e deve inspirar-se no “pre-packaged bankruptcy plans” americano, no “schemes of arragement” inglês, na InSo e no CC, no que eles possuem de melhor.

Caso os credores tenham recebido dados e informações completos e fidedignos sobre as atividades sociais e o plano de recuperação conte com a aprovação de mais da metade de cada classe, a empresa deve requerer ao juiz que dispense a notificação dos credores, a convocação e a realização da assembleia geral (USBC, art. 341, e) e homologue o plano (USBC, art. 1.129, b), para produzir efeitos em relação aos sócios e aos credores (USBC, art. 1.141, a).

Caso contrário, e persistindo o propósito de reerguer-se, a empresa deve requerer (i) a nomeação de conciliador, para atuar como mediador nas negociações com os credores (CC, art. L. 611-7, e Projeto, art. 20-B, IV); (ii) a notificação destes, por edital eletrônico e carta com aviso de recebimento, para ciência do plano de reestruturação das dívidas e recuperação da empresa; (iii) a suspensão das ações, execuções e pedidos de falência e da eficácia das cláusulas de vencimento antecipado de obrigações e dívidas ou que levem à rescisão de contratos em curso (InSo, art. 270, d, modificado pela ESUG de 2011, mais exigente do que o automatic stay do USBC, art. 362, a), e mais amplo do que o Projeto, art. 163, parágrafo 8º); (iv) a convocação e instalação da assembleia geral; (v) aprovado o plano, a homologação judicial, para vincular os dissidentes, os que se abstiveram de votar e os ausentes (USBC, art. 1.141, a; CA, art. 899, e “Recomendação 2014/135/EU”, item 6, d).

Caso o plano de recuperação não seja aprovado, o juiz, a pedido da empresa, pode homologá-lo no melhor interesse dos credores (USBC, art. 1.129, b; CA, art. 899, e InSo, art. 245), vinculando os dissidentes, os que se abstiveram de votar e os ausentes (USBC, art. 1.141, a; CA, art. 899; e “Recomendação 2014/135/EU”, item 6, d).

Caso o credor proponha ou aceite a convolação de seu crédito em capital, deve ser vedado ao sócio, sem justificativa, questionar a matéria em assembleia geral ou em juízo, podendo o juiz suprir a vontade do dissidente e autorizar a capitalização (InSo, arts. 245 e 254.4); o dissidente poderá ser excluído da empresa, passando a ser classificado como credor de última classe (Supremo Tribunal da Alemanha, BGH 23.10.2009 – II ZR 240/2008 e BGH 15.04.2010 – IX ZR 188/2009).

Para estimular a capitalização da empresa, o credor, que lhe conceder crédito durante as negociações, gozará de prioridade real, a ser definida em lei, em caso de falência da devedora (InSo, art. 39), v.g., na categoria de DIP – Financing Super Priority Lein (crédito com superprioridade real), conforme sugestão que dei em artigo anterior.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/09/15/recuperacao-extrajudicial-de-empresas.ghtml?GLBID=1a183361151da15862d315348e43bd4fb6a706a596c466f67413742786d5944556a7175534f6d78704c434659656d447635374774304f5944495831535841705466655f4957725439752d4f527730584757774c6d7a4d4958776d72644b543458624b33694b673d3d3a303a756876727261646a756565696464646e61776479

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