A celeuma do Código Comercial

A celeuma do Código Comercial

“Empresários e especialistas temem que o novo texto implique em mais burocracia para os negócios”

E setembro a nova Comissão Temporária para a Reforma do Código Comercial (CTRCC) realizou sua primeira reunião para a instalação dos trabalhos. O colegiado é composto por nove membros, tendo como presidente o senador Angelo Coronel (PSD-BA) e como relatora a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS).

A comissão analisará o Projeto de Lei do Senado (PLS 486/2013) que disciplina a organização e a exploração de empresas, num audacioso esforço para adequar o Código Comercial (promulgado pelo imperador Dom Pedro II, em 1850, com fundamento em livros franceses do século XVII) às necessidades das transações comerciais atuais.

Muita atenção há de ser dada à elaboração das novas regras para se evitar o conflito entre as novas normas e as já existentes

O PLS 486/2013 tem mais de 1.000 artigos e seus principais pontos são os contratos empresariais, os tipos de sociedades, as operações societárias, o registro contábil, o comércio eletrônico, a concorrência desleal, o processo empresarial e a falência, bem como o comércio marítimo.

Todavia, há muita controvérsia, tanto no meio empresarial, como no meio jurídico. Empresários e especialistas temem que o novo texto implique em mais burocracia para os negócios, em vez de diminuir as incertezas. Muitos deles são críticos ao projeto, tendo feito várias sugestões ao texto, algumas delas atendidas, notadamente aquelas com o condão de estreitar as relações comerciais entre grandes e pequenas empresas e outras para dar maior agilidade às relações comerciais.

Por outro lado, há aqueles que defendem o projeto. Exaltam as regras para o comércio eletrônico, a exemplo do dispositivo que prevê a necessidade de os sites das empresas terem links para os termos de uso e para as políticas de privacidade das entidades, bem como das previsões que regulam a posse dos domínios na internet.

Há também o entendimento que dispensa os códigos para a melhora do ambiente de negócios e defende a regulação por setores. Entende-se que codificar não é o meio adequado na atual conjuntura, uma vez que a economia brasileira ainda se recupera da recessão dos últimos anos. Decerto, as novidades aumentarão consideravelmente os custos da atividade empresarial. Estudos do Insper de São Paulo estimam que os custos decorrentes de ajustes e de incertezas sobre sua implementação podem ultrapassar os R$ 180 bilhões.

Sabemos que as empresas não suportarão estes custos, os quais serão repassados aos consumidores mediante sua incorporação ao preço de produtos e serviços. As empresas que não conseguirem repassar esses custos terão suas margens de lucro reduzidas ou serão postas para fora do mercado.

Com efeito, outras pautas ganharam prioridade no Congresso, notadamente a reforma trabalhista (já aprovada), a reforma da previdência e a reforma tributária. Assim, é questionável se esse é o momento adequado para votar o projeto de Código Comercial. Não bastasse, há o fato de que a proposta de Código Comercial altera normas já consolidadas, em várias áreas da legislação comercial. Desta feita, na prática, é difícil encontrar consenso.

Ainda assim, algumas disposições do PLS 486/2013 merecem destaque. O texto dá maior importância ao nome empresarial, que deve se distinguir de qualquer outro inscrito em registros públicos de abrangência nacional. Ou seja, o controle do nome empresarial será em âmbito nacional. É, com toda certeza, um grande avanço. Hoje, para obter a proteção do nome empresarial, é necessário enfrentar o comodismo dos órgãos da administração e pagar elevadas custas de arquivamento na respectiva Junta Comercial.

O projeto inova, outrossim, ao inserir dispositivos atinentes à concorrência desleal e ao parasitismo. A concorrência desleal, com efeito, é tratada na Lei de Propriedade Industrial, a qual dispõe de uma lista do que é considerado crime nessa seara. As chamadas condutas parasitárias, por sua vez, só são tratadas hoje pela doutrina, mas não dentro de uma legislação. O texto inclui as condutas parasitárias como forma de concorrência desleal.

Novas disposições também disciplinam as sociedades. De plano, determina que todas as sociedades são empresárias. É dizer, o texto põe fim à dicotomia sociedade empresária (ou comercial) e sociedade não empresária (ou civil). Ora, sejamos pragmáticos, se alguém exerce uma atividade econômica para produção de bens ou serviços, ele tem uma sociedade empresária.

A única exceção ficou por conta das sociedades profissionais, assim tratadas por motivo político e não técnico. As sociedades profissionais não podem ter seus atos arquivados na Junta Comercial, por imposição dos conselhos de classes.

Quanto ao mais, a proposta também extingue tipos societários em desuso, a saber, a sociedade em comandita simples e a sociedade em comandita por ações. Permanecem as sociedades anônimas, as limitadas, as sociedades em nome coletivo, as sociedades em conta de participação e as cooperativas.

Assim, entendemos serem pertinentes a revisão da disciplina e a atualização das normas jurídicas empresariais. Todavia, muita atenção há de ser dada à elaboração das novas regras, evitando, pois, o conflito contraproducente entre as novas normas e aquelas já existentes, bem como a criação de burocracias inúteis, tendo em vista a importância das empresas para o desenvolvimento econômico de nosso país.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2019/10/21/a-celeuma-do-codigo-comercial.ghtml

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